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O MERCADO EDITORIAL MEDE, MAS NÃO ENXERGA

  • Foto do escritor: Flup Festa Literária
    Flup Festa Literária
  • há 4 dias
  • 5 min de leitura

II WPSC – Campeonato Mundial de Poetry Slam, realizado no primeiro dia da FLUP 2023, no Morro da Providência (RJ). Foto: Chico Canella
II WPSC – Campeonato Mundial de Poetry Slam, realizado no primeiro dia da FLUP 2023, no Morro da Providência (RJ). Foto: Chico Canella

Por Isabella Rodrigues


O que vale mais: o leitor ou o livro? No centro das discussões sobre o mercado editorial, paira esta pergunta incômoda que raramente é feita em voz alta. 


Durante décadas, o mercado editorial construiu sua lógica em torno de um ideal de leitura vinculado ao objeto-livro. Ser leitor significou por muito tempo ter acesso — financeiro, intelectual e simbólico — a bibliotecas que muitas vezes excluíram vozes, territórios e modos de narrar. Carolina Maria de Jesus que o diga, com sua espera para publicar e só conseguir lançar O Quarto de Despejo após um jornalista ter contato com seu trabalho.


Mas e quando a leitura acontece fora das prateleiras? Quando ela rima em cima de um beat, ecoa no sarau da laje, ou explode num slam no meio da praça? Ainda é literatura?


Pela primeira vez na história da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o número de não-leitores ultrapassou o de leitores. Mais da metade dos brasileiros (53%) afirmaram não ter lido sequer parte de um livro nos três meses anteriores ao levantamento. Mas isso revela muito mais sobre quem mede do que sobre quem lê.


Os critérios de leitura ainda ignoram as múltiplas formas narrativas que emergem das periferias. Há uma leitura viva e pulsante acontecendo — mas talvez não exatamente onde (ou como) o mercado espera encontrá-la.


Quem batalha rima na rua é leitor de poesia, ainda que nunca tenha lido um soneto de Camões. Quem improvisa nos vagões de trem está ativando as mesmas estruturas da linguagem que a crítica acadêmica consagra em edições comentadas. Há literatura onde há narrativa viva — e se isso desafia os moldes do mercado, tanto melhor.


A Flup — A Festa Literária das Periferias escancara essa fissura entre o que se entende por produção literária e o que de fato é feito e lido nas bordas do sistema. Mais do que formar escritores e publicar livros, a Flup amplia o conceito de autoria e desloca o centro do discurso. Seus autores não escrevem apesar da periferia — escrevem desde a periferia. E isso muda tudo.


Em 12 anos e 14 edições, publicou mais de 30 livros, formou mais de 200 roteiristas e reuniu mais de mil escritores em debates. Os processos formativos partem da oralidade, da ancestralidade e da vivência periférica, e propõe como disparadores da escrita a leitura de itans de orixás, letras de roda de samba, poemas de slam e obras de escritoras e escritores periféricos.


Exemplos disso são o “Escrever com Axé – Yabás, Mães Rainhas”, que resultará no 31º livro do selo, ou no Slam dos Quilombos, realizado em 2024 com representantes de nove quilombos de diferentes estados. Partindo dessa premissa, no dia 23 de abril, será lançado o edital Bota Fé na Leitura, que premiará uma escritora negra com a publicação de um livro infantil, em parceria com a Editora Voo, uma iniciativa que afirma a importância da diversidade desde a infância.


A mesma pergunta — o que é leitura? — ecoa de forma diferente quando atravessamos a ponte que separa os centros urbanos das periferias. Uma pesquisa realizada pela própria Flup em 2024 revelou que 74% dos moradores de comunidades cariocas gostam de ler. Desses, mais de 27% se definem como verdadeiros "devoradores de livros".


Só que seus percursos passam por caminhos pouco mapeados pelo mercado editorial: grupos de WhatsApp onde se compartilham contos autorais, fanfics no Wattpad, crônicas e textos políticos no Medium. Isso também é leitura. 


E sim, isso inclui a pirataria — sobretudo a digital. O acesso a livros em plataformas não-oficiais não se trata apenas de um desvio legal, mas de uma resposta à inacessibilidade cultural e econômica. Onde o preço do livro beira o inacessível, o link pirata vira ponte. A pirataria, nesse contexto, é menos uma transgressão e mais um termômetro: revela que há sede de leitura onde o mercado insiste em não ver valor.


É claro que o problema do acesso vai além. Mesmo nas grandes cidades, bibliotecas públicas sofrem com precarização. No Rio de Janeiro, por exemplo, a lista de bibliotecas públicas ativas mostra um retrato desigual de distribuição. Não basta perguntar se há livros — é preciso perguntar onde, para quem e em que condições.


Enquanto isso, instituições como o Real Gabinete Português de Leitura, a Biblioteca Nacional e a Academia Brasileira de Letras seguem imponentes, mas distantes. Não por localização geográfica apenas, mas por simbologia. O público periférico raramente se vê como parte daquele espaço e, esses espaços, por sua vez, raramente fazem o esforço de pertencimento acontecer. São lugares mais associados à reverência do passado do que à construção viva do presente. É difícil nutrir o desejo de acesso onde a porta parece aberta só até certo ponto.


É hora de parar de perguntar se as periferias leem. A pergunta certa é: o que estamos deixando de reconhecer como literatura?


Quando a literatura se apresenta de outras formas, seja nas letras de um samba, na cadência do rap, na poesia grafitada no muro de uma escola — o mercado editorial, ainda preso à lógica da centralização, mostra seu despreparo. Porque, no fundo, quem não lê não são as periferias — é o próprio sistema, que se recusa a ler os códigos culturais que pulsam fora do seu eixo.


O futuro do livro talvez nem tenha capa. Talvez ele esteja rimando num vagão de metrô, ou estampado na parede do bairro, em versos que ninguém autorizou — e ainda bem. Porque nas margens, quem lê também escreve. Quem escuta, também conta. E quem foi silenciado por séculos, agora berra. E verso por verso, muda o eixo do mundo. E publica livros


Bibliotecas públicas no município do Rio de Janeiro


Centro


Biblioteca Nacional

Endereço: Avenida Rio Branco, 219 - Centro

Funcionamento: Segunda a sexta, das 10h às 17h.


Biblioteca Euclides da Cunha

Endereço: Av. Pres. Vargas, 3131 - 7 andar Sala 704 - Centro

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9:30h às 17:30h.


Biblioteca Parque Estadual

Endereço: Avenida Presidente Vargas, 1262 - Centro

Funcionamento: Segunda a sexta, das 10h às 17h.


Biblioteca Annita Porto Martins

Endereço: Rua Sampaio Viana, 357 - Rio Comprido

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 17h.


Biblioteca José Bonifácio

Endereço: Rua Pedro Ernesto, 80 - Gamboa

Funcionamento: Terça a sábado, das 10h às 17h.


Zona Norte


Biblioteca Jorge Amado

Endereço: Rua Ivanildo Alves, s/nº - Maré

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 18h 


Biblioteca Euclides da Cunha

Endereço: Praia de Cocotá, 82 - Ilha do Governador

Funcionamento: Terça a sexta, de 9h às 20h. Sábados e feriados, 9h às 18h.


Biblioteca João do Rio

Endereço: Avenida Monsenhor Félix, 512 - Irajá

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 17h, Sábado 9h às 13h.


Biblioteca Marques Rebelo

Endereço: Rua Guapeni, 61 - Tijuca

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 17h.


Biblioteca Parque de Manguinhos

Endereço: Avenida Dom Hélder Câmara, 1.184 - Benfica

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 17h.


Zona Oeste


Biblioteca Manuel Ignácio da Silva Alvarenga

Endereço: Rua Amaral Costa, 140 - Campo Grande

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 17h.


Biblioteca Cecília Meireles

Endereço: Praça Geraldo Simonard, s/nº - Pechincha (Jacarepaguá)

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 17h.


Zona Sul


Biblioteca Machado de Assis

Endereço: Rua Farani, 53 - Botafogo

Funcionamento: Segunda a sexta, das 10h às 19h.


Biblioteca Carlos Drummond de Andrade

Endereço: Rua Sá Ferreira, 80 - Copacabana

Funcionamento: 9h às 17h


Biblioteca Infantojuvenil Maria Mazzetti - Casa de Rui Barbosa

Endereço: Rua São Clemente, 134 - Botafogo

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9:30h – 12h, 14h – 17h.


Biblioteca Parque da Rocinha

Endereço: Estrada da Gávea, 454 - Rocinha

Funcionamento: Segunda a sexta, das 9h às 21h.


Biblioteca José de Alencar

Endereço: Rua Monte Alegre, 306 - Santa Teresa

Funcionamento: Segunda a sexta, das 10h às 17h.



 
 
 

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